22 de novembro de 2010

A perda de autoridade dos pais e os reflexos dentro da escola

Matéria de 08.01.2.009
cada vez mais presente nos dias de hoje veja o relato...

Dante Donatelli

A contínua perda de autoridade dos pais tem formado gerações de crianças e jovens sem limites no que tange ao comportamento social. A fragilidade nas relações familiares leva novos conflitos à escola e aos educadores que, nem sempre, estão preparados para desempenhar novos papéis sociais. E coloca em risco o desempenho do professor, um profissional ímpar na definiçaõ de Dante Donatelli. “Ser professor é por definição, no meu entender, ser generoso”, afirma o educador

A falta de limites e a agressividade dos jovens têm sido alguns dos problemas enfrentados por pais e professores na hora de educar as crianças. Numa inversão de valores, parece que, hoje, quem comanda a casa são os filhos e os pais ficam à mercê de suas vontades. A escola, em meio a uma crise de identidade, deixou de ser lugar de socialização e transformou-se em extensão das residências. Esta é a opinião do filósofo Dante Donatelli, que já atuou como professor, orientador pedagógico e diretor de escola. Especialista no tema educação, Dante Donatelli lançou recentemente A vida em família - As novas formas de tirania, onde analisa a relação entre pais e filhos. Este não é o primeiro livro do autor sobre o tema. Na verdade, é uma continuação da obra que publicou em 2004, Quem me educa - a família e a escola diante da (in)disciplina. Nesta entrevista, o filósofo avalia as contradições do mundo moderno e faz um alerta aos pais, professores e diretores: é preciso assumir as responsabilidades e desempenhar seu papel social para acabar com a tirania dos filhos. “Cada vez mais os adultos se sentem menos preparados a serem responsáveis, e, por conseguinte, terem autoridade diante dos seus filhos. Pai é pai, e não amigo”, lembra Donatelli.

Como surgiu o livro A vida em Família - As novas formas de tirania? E qual o seu objetivo?

Dante Donatelli - Ele é uma continuação do meu primeiro livro Quem me educa, no qual analiso a relação entre escola e família. Ao final deste livro, fiquei com a sensação de que faltava uma reflexão e uma análise mais detalhada acerca da condição atual da família e suas relações internas, especialmente observadas da escola. Em suma, a intenção de A vida em família é expor como os filhos assumiram a tarefa de determinar os rumos da vida familiar. Assumiram o lugar de pai e mãe, e, assim, a família passa por uma crise profunda de autoridade e identidade.

No livro, o sr. fala da contradição vivida pela escola, que não sabe ao certo qual o seu papel na sociedade: se o de lugar de formação de cidadãos ou de uma extensão da casa de seus alunos. Há essa confusão na escola? Por quê? Qual seria, afinal, o papel da escola no mundo de hoje?

A escola virou, erradamente, uma extensão da casa. A escola é uma instituição pública voltada para a socialização e a formação cidadã dos sujeitos - e não uma continuação do lar. Especialmente a escola privada se assumiu com este papel. Desta forma a escola foi tomada de uma afetividade barata e um discurso amoroso piegas no qual se buscou substituir, ou melhor, sobrepor, a função social da escola, por uma relação de amparo e acolhimento equivocado dos alunos. Uma das razões deste fenômeno é a transformação da escola em lugar de clientes e não de alunos. Por outro lado, houve a proletarização intelectual dos educadores. A escola serve para formar intelectual e eticamente indivíduos e prepará-los para a vida em sociedade, revelando regras e normas da convivência social. O mais, cabe à família prover.

No mundo atual, onde pai e mãe estão fora de casa e, muitas vezes, ausentes do dia-a-dia da criança, a permissividade ganhou espaço. Para compensar a ausência, eles costumam satisfazer todas as vontades dos filhos. Quais as conseqüências deste comportamento?

Uma relação tirânica, como sugere o subtítulo do meu livro. Os filhos se impondo aos pais, não só no plano do consumo, mas principalmente no plano moral, determinando o certo, o errado, o justo e o injusto. É como se os pais fossem sujeitos em férias permanentes diante de seus filhos. Pais que se desobrigam de serem pais, para serem amigos de seus filhos. E pai é pai, e não amigo.

Hoje é mais difícil educar um filho do que há 30 anos? Por quê?

Não é mais difícil... É mais complexo, a começar pela ausência continuada de pai e mãe da vida cotidiana de seus filhos. Ambos trabalham muito e cada vez mais são ausentes da vida e da educação dos filhos. Por outro lado, as crianças e os jovens são hoje assediados por um universo novo de informação e deformação. Os meios de comunicação de massa, como a TV e mais recentemente a internet, e todos os seus recursos, são ainda objetos complexos e de entendimento ainda discutível para muitos. Outro fator é o constante isolamento de crianças e jovens em espaços “higienizados”, como condomínios, nos quais as noções de sociabilidade, trocas e percepção da vida social se limitam a um universo cada vez menor e mais igual a cada um dos indivíduos. É cada vez mais difícil que crianças e jovens se encontrem no espaço público e contemplem as suas contradições e diferenças.

O seu livro fala das novas formas de tirania. De que forma essa tirana se apresenta na relação familiar e qual sua origem?

A tirania se origina na omissão paterna e materna. Os filhos assumem as rédeas da vida cotidiana em casa, impondo aos pais regras, princípios e uma moralidade. A bem da verdade não são as crianças e os jovens que mudaram, mas sim os adultos que se ausentaram das suas funções e do peso de serem responsáveis e, portanto, providos de autoridade.

Quais as conseqüências da falta de limites?

Bem, os exemplos estão por todo lado, nas pequenas e grandes indisciplinas vividas todos os dias nas escolas e no conseqüente acobertar de pais e mães sobre seus filhos. É cada vez mais rotineiro adolescentes e jovens que saem distribuindo toda sorte de estupidez pela sociedade, espancando cidadãs pobres, agredindo pais, promovendo cretinices de toda ordem no meio social. A razão elementar destes movimentos que chocam a todos é a convicção destes jovens de que são eles quem impõem seus limites - e não a família ou a sociedade. É uma inversão da vida social. O sujeito se põe acima do outro por acreditar que ele, mais que o outro, pode impor regras e limites.

É comum ouvirmos histórias de professores que abandonaram a docência por medo dos alunos. Daria para dizer por que os jovens hoje são tão agressivos? E o que deve fazer o professor quando se sente coagido?

Os jovens de hoje são tão ou mais agressivos quanto os do passado... É antropológico. A agressividade é parte do humano. Creio que a questão é que há cada vez menos temor dos jovens quanto à punição, na mesma medida em que a agressividade se tornou violência non sense. Somos cada vez menos preparados para punir. Temos até uma certa vergonha em dizer que punimos filhos ou alunos. Isso parece autoritário e todos desejam não parecer autoritários. Do outro lado, é bom que se diga, os professores têm uma formação cada vez mais capenga, não só naquilo que tange à cátedra da qual são especialistas, mas também na licenciatura. A profusão de escolas de terceiro grau sem critérios de qualidade e aferição tem posto no mercado cada vez mais professores despreparados para lidar com a realidade da sala de aula. É evidente que, ao se sentir coagido, um professor precisa e deve cobrar da escola medidas duras contra os alunos. Não é aceitável em hipótese alguma imaginar que possa haver momentos no qual um professor se sinta acuado por seus alunos. Isto não é mais escola ou educação. É simples barbárie.

No livro, o sr. diz que o egoísmo supremo impera nos jovens. Qual o motivo desta afirmação e por que os jovens de hoje são, assim, tão egoístas?


A cultura burguesa é uma cultura individualista, que se associa a uma sociedade de consumo no qual uma série de valores são a ela agregados e transformaram a nossa época em um lugar de egoístas que somente têm olhos e mente para si mesmos. O melhor exemplo deste estado de coisas é observarmos a extensão da adolescência para os 25, 26, 27 anos, como sintoma de sujeitos sedentos em manter os privilégios da vida não adulta, ou o melhor de dois mundos, em uma razão bem infantil.

Como a escola pode combater esse tipo de comportamento?

Sendo escola de fato, ou seja, saindo da esfera de cúmplice da barbárie e das pequenas e grandes mentiras que ela muitas vezes insiste em viver com seus alunos, educadores e pais. A escola precisa se tomar como sendo uma instituição do coletivo e não dos indivíduos, pois é nela que se dá a socialização dos sujeitos. A cultura individualista e particularizadora que tomou conta da escola apenas reforçou comportamentos desequilibrados e agressivos no contexto escolar.

Por que os pais têm medo de assumir sua autoridade?

O medo de se ter autoridade está intimamente vinculado ao medo da responsabilidade. Não dissocio as duas coisas. Autoridade e responsabilidade caminham atadas pelo mesmo princípio e fim na vida familiar. Cada vez mais os adultos se sentem menos preparados a serem responsáveis, e, por conseguinte, terem autoridade diante dos seus filhos. Não existe autoridade que não seja responsável e que também não exija, daquele que a possui, respostas e posicionamento frente à realidade.

O sr. atuou como professor, orientador pedagógico e diretor de escola. Quais foram as principais dificuldades que encontrou no ambiente escolar?


Ao cumprir todas as etapas da vida escolar consigo hoje ter a clareza de que o principal desafio do professor é, muitas vezes, a postura equivocada de coordenadores e diretores que fazem deles reféns da sua imobilidade diante das contradições cotidianas. Por outro lado, a leitura muitas vezes imediatista dos pais, que ao invés de buscarem compreender os processos pelos quais passam seus filhos na ação de aprendizagem apenas se preocupam com resultados, também traz dificuldade. A parte mais fácil e prazerosa da vida e na escola sempre foi o aluno. Sempre.

Como avalia sua experiência em sala de aula? O que é ser professor?


Viver a sala de aula é alargar para a vida e a realidade a convicção de que em tudo que vivemos e experienciamos nos educamos. A sala de aula é apenas e tão-somente um dos lugares onde o professor se dá. A propósito, ser professor é por definição, no meu entender, ser generoso. O professor oferta e recebe crente de ser este o único meio de se educar e educar ao outro.

fonte: Blog da prof, Bia

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